sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Saudade Antecipada

Alice, minha neta - um breve passeio no parque.


Carol Soares Araújo*

Por favor, filha, vá devagar! "Tão pequena, e já tão dona de si. Pronta para desbravar um mundo que vai além de mim! Perdoe-me, filha, não estou pronta para te ver partir… sinto falta de quando eu era tudo que você precisava para ser feliz.
Você vai crescer, é inevitável, é saudável… Mas eu queria reviver, dia após dia, os seus sorrisos inocentes, as suas conquistas, os seus primeiros beijos e abraços. Queria eternizar esse momento e viver assim, juntinho de ti.
Está pronta para desbravar o mundo, conquistar novos amigos, encantar outras vidas… eu me sinto orgulhosa e ao mesmo tempo perdida, porque já sinto o vazio da nossa diária despedida. Seja gentil, tempo! Desacelere. O tempo não perdoa. Não espera. Eu ainda te vejo frágil, indefesa, minha pequena. Mas você já descobriu que lá fora existe um mundo cheio de aventuras esperando por ti.
Existe um mundo que vai além dos meus braços, dos meus abraços, dos meus beijinhos, do olhar sempre atento a te proteger… Eu não estou pronta, mas você está..."

(*) Carol Soares Araújo possui formação em turismo, é minha nora e mãe da minha neta Alice.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Um Juiz Educador e Boa Praça

Juiz e educador José de Ribamar Fiquene


                                                                                         José Pedro Araújo

Estávamos no início do governo militar que governaria o país pelos 23 anos seguintes, quando chegou à cidade um jovem juiz de direito para assumir os destinos da comarca. Seu nome, José de Ribamar Fiquene. Cidadão tranquilo, amante das letras e das artes, logo nos brindou com duas das coisas mais importantes com que se pode presentear um cidadão: o acesso à justiça, e a uma educação de qualidade. Acesso à justiça feita através do emprego efetivo da lei, e acesso à educação disponibilizando o curso ginasial à população, além do curso normal e o de contabilidade. Fiquene, bom samaritano cultural, criara o hábito de fundar escolas por onde passava, propiciando o acesso à educação aos estudantes que não possuíam recursos suficientes para se deslocar para outras cidades mais desenvolvidas para dar continuidade aos estudos. O seu legado foi se estendo por onde passou até culminar com a fundação de uma universidade na cidade de Imperatriz. Por tudo que fez, a providência divina o presenteou com o cargo de governador de todos os maranhenses, cunhando seu nome definitivamente na história do Maranhão.


Hoje é possível avaliar que a qualidade do ensino do colégio por ele fundado não ficava a dever a nenhum outro, pois possuía um corpo docente que, favorecido por um conjunto de fatores favoráveis, fez com que se juntasse naquela época e em um mesmo local, profissionais da qualidade do professor universitário Hubert Lima de Macedo(história), do engenheiro Onildo Fortes(matemática),  e do próprio Dr. Fiquene(português), além de muitos outros que por lá passaram.


Vivíamos um tempo de revolução nos costumes através da música e das artes. Enquanto nos Estados Unidos da América e na Europa alguns cabeludos se insurgiam à velha ordem estabelecida através do movimento hippie, aqui nossos jovens criavam um novo ritmo musical, a bossa nova, que assombrava o mundo com o seu incrível teor melódico e suas letras simples, mas rebuscadas.  Ao mesmo tempo, enquanto lá fora os Beatles levava o temor a muitos com suas músicas de protesto contra o preconceito e a tirania, aqui o regime militar fechava mais ainda o sistema, e músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, entre tantos outros, se rebelaram e gritaram em alto e bom que “é proibido proibir”. Tal demonstração de coragem custou o exílio para alguns.


Talvez estimulados pelos ventos de liberdade que vinham do exterior, quase nunca noticiado pela imprensa brasileira ajoelhada perante o regime estabelecido, um grupo de estudantes, ao acabar a aula, se organizava em marcha e descia a rua Grande cantando palavras de ordem, como se estivessem em um desfile militar. Era uma brincadeira simples, sem intenção de se contrapor ao regime instalado. Mas o fato é que desagradou a certas pessoas com poder de mando. Naquele tempo as luzes da cidade se acendiam às 6:00 da tarde e apagavam-se às 10:00 da noite. As tais marchas aconteciam exatamente após esse horário, passando talvez uma ideia de insubordinação. O certo é que algumas pessoas da comunidade foram até ao juiz, e também diretor do colégio, onde se originavam as passeatas, reclamar da situação.


Chamados por sua excelência para justificar tais atos, os líderes da brincadeira, responderam que não estavam provocando nenhuma desordem, e, apesar da insistência do diretor para que parassem com as passeatas, continuaram a fazê-las. Alguns dias depois, foram advertidos pelo diretor do colégio de que estavam suspensos em razão da insubordinação. Apesar do respeito e da admiração que o Dr. Fiquene gozava no seio da classe estudantil, houve uma revolta generalizada pelo que consideravam uma punição injusta e, portanto, desnecessária, contra aqueles jovens que só queriam se divertir, saindo da mesmice que atingia os jovens de uma pequena cidade do interior. E a coisa pararia por ali, se alguns indivíduos mal intencionados não tivessem se aproveitado do ensejo para lançar sobre o juiz todo o ódio que possuíam em razão de alguma decisão que não os beneficiava. E foi assim que no dia seguinte, em pontos estratégicos da cidade, como o mercado público, o banco do Estado e a agência dos correios, foram apregoados panfletos apócrifos com calúnias virulentas contra o juiz e a sua família. Pessoas sem nenhum escrúpulo haviam se aproveitando do acontecido com os estudantes para espalhar a sua bílis em forma de mentiras sobre uma família que só havia trazido o bem para a nossa comunidade.


Mostrando-se um ser normal, como os demais viventes, o nosso magistrado aceitou a provocação, engoliu a isca lançada. E a sua reação não se fez esperar. Achando que aqueles panfletos caluniosos haviam partido dos estudantes punidos por ele no dia anterior, como apontava a lógica, determinou que uma guarnição militar se deslocasse à casa de cada um daqueles rapazes com ordem para aprisioná-los, sob a acusação de terem atingido a honra da principal autoridade judicial do município. Ordem dada, ordem cumprida. Os jovens estudantes, alheios a tudo o que estava acontecendo, foram surpreendido ainda em casa enquanto dormiam.


Foi o que bastou para deflagrar uma onda de crescente descontentamento no seio da estudantada, e eles ocuparam a praça da matriz, e em frente a casa onde o juiz morava iniciaram um ato pacífico de protesto que entrou noite adentro. Estava quebrado o elo de confiança que unia o jovem juiz e educador e a classe estudantil da cidade de Presidente Dutra.


Depois de muitos discursos, uma comitiva formada por estudantes e políticos da cidade foi recebida pelo magistrado em sua casa, e lá, depois de muitas ponderações, convenceram o magistrado que as calunias assacadas contra ele e a sua família não haviam partido dos estudantes e sim de terceiros interessados em se aproveitar da situação para praticar um ato de vingança, por algum interesse contrariado. Analisando melhor a situação, Dr. Fiquene deu-se por satisfeito, e o ato público que se iniciara como protesto, terminou  com em ato de repúdio contra aquele ou aqueles que atingiram tão covardemente a honra daquele eminente educador que tantos benefícios trouxe à comunidade presidutrense.


Os jovens foram postos em liberdade imediatamente. Mas o clima fraterno estabelecido entre o magistrado e a comunidade estava irremediavelmente comprometido. Pouco tempo depois o magistrado foi transferido para outra cidade. Mas deixou funcionando um dos melhores colégios em que estudei e que me deu possibilidades de sair para a capital e disputar alguns anos depois uma vaga para a universidade em pé de igualdade com os outros estudantes. Muitos jovens que passaram pelos bancos daquele colégio, são hoje profissionais respeitados e levaram seus conhecimentos e saberes para várias partes deste imenso país.

Nascido em Itapecuru-Mirim, além de governador do estado, Fiquene foi prefeito de Imperatriz, senador, reitor da Uema, Membro da Academia Imperatrizense de Letras, e fundador da faculdade Athenas Maranhense(Fama). O nosso juiz bonachão também foi o autor da letra e música do hino da cidade de Imperatriz. Por tudo o que fez, é topônimo de um município maranhense, além de muitas e justas outras homenagens recebidas.


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Jardim de Minha Mãe

As Jardineiras: Minha mãe, a esquerda, e minha tia.



José Pedro Araújo

Nos sertões de dentro, última fronteira colonizada no centro do Maranhão, região também conhecida como Japão, dado a sua distância e dificuldade de acesso, está encravada a terra da qual sou filho: o Curador, hoje Presidente Dutra. Aliás, quando lá irrompi do ventre da minha mãe, já haviam mudado o seu nome para homenagear um general presidente, Eurico Gaspar Dutra. Mas, gosto do termo Curador. Sinto-o mais palatável, sonoramente mais bonito, e por isso chamo tanto por ele nas minhas crônicas sobre a terrinha.

Faço esses primeiros comentários que tomou um parágrafo inteiro para dizer que, colonizada por nordestino do leste da região, especialmente por cearenses e piauienses, as ruas do Curador possuem um casario igual àquele encontrado em todas as cidades interioranas nordestinas: casas simples, paredes de tijolo comum ou adobe, em geral com duas águas, às vezes um platibanda com algumas calhas em forma de biqueira “boca-de-jacaré” para escoar a água da chuva, e que atestava um pouco do poderio financeiro do proprietário do imóvel. Essas residências possuem fachada rente à calçada, sem espaço para jardim ou terraço. O jardim, quando possui, é interno, na maioria das vezes no próprio quintal, onde se cultivam plantas ornamentais comuns, quase nativas da região, mas de cuja origem todos, indistintamente, ignoram.

O Jardim
Minha mãe também possuía, e ainda possui, o seu jardim. Interno como a maioria, mas não no quintal. Fica em um espaço reservado para ele, ao lado da casa, que o circunda por três dos seus quatro lados. Quase como uma vivenda espanhola, com o pátio interno com um poço e um chafariz. As vivendas espanholas, não o jardim da minha mãe. Diziam os que tinham a sorte de conhecê-lo, que minha mãe tem a mão boa para as plantas, pois elas crescem vigorosas, folhas lustrosas que demonstram a sua perfeita alimentação, e emitem flores belas e viçosas. Creio ser verdadeira a afirmação. E isso era um hábito familiar, pois minha tia Feliciana, única irmã, dez anos mais velha, também cultivava em jarros o seu jardim particular. Não estou falando daqueles jardins suntuosos que vemos nos filmes, e nos quais o dono nunca põe as mãos, posto serem cultivados por jardineiros profissionais, pagos regiamente para cuidarem unicamente dele. Estou falando de espaços simples, mas bem cuidados, cuja adubação é mantida com esterco de gado, pois quase não tínhamos ovinos ou caprinos na região, e com paul, um adubo extraído da palmeira de babaçu em decomposição, artigo produzido com muita fartura na região.

Instalado ao lado da nossa sala de jantar, corriqueiramente sentíamos o aroma suave de alguma flor que desabrochava em sua plenitude naquela manhã. O jasmim-laranja, que ficava vizinho à uma dos janelões, emitia o seu aroma gostoso quase sempre, inundando tudo com o seu adorável cheiro. Mas não somente ele. O bugarin de pétalas brancas e sedosas rivalizava com ele em potência e aroma, e misturava seu cheiro ao daquele em pleno ar. As roseiras, bem estrumadas, diversificadas em variedades e cores, enfeitavam o espaço com o seu belo colorido, e muitas ainda soltavam o seu cheiro característico pelo ar também. A mais comum era a rosa Paruara, bela, volumosa e aromática. Mas tinha ainda a Rosa Menina, miudinha, branca ou rósea, a Rosa Mariquinha, cujo nome era uma homenagem à avó de mamãe, a Rosa Cachopa, a Rosa Amélia, e tantas outras que não lembro mais o nome!

As rosas, aliás, são cultivadas e elogiadas tanto pela sua beleza, quanto pelo seu aroma. E são as mais encontradas em jardins particulares. Mas existem também aquelas produzidas em grandes estufas industriais. Estas perderam o cheiro em favor da durabilidade, foi o que me disse certa vez um florista que visitei em um desses grandes roseirais instalados na serra da Ibiapaba, no Ceará.

Mas, voltando ao jardim da minha mãe, lá não se cultivava apenas roseiras, lá havia também as Papoulas, rosa ou vermelhas, com seus pistilos grandes e apontados para o chão; os Cactos de vários formatos e tipos, a Açucena, as Palmeirinhas decorativas, uma planta chamada Coelho Neto, com suas flores em cacho, a Onze Horas, a Boa Tarde e a Boa Noite; pés de pimenta decorativos, uma flor amarela cuja rama se alastrava em todas as direções, conhecida como Pente-de-macaco, Hortênsias, Mini Margaridas, Helicônias, Cravos, além de uma infinidade de plantinhas de flor miudinha que minha mãe foi encontrar em lugares por onde passou. Admirava-as, e depois retirava um dos seus galhos e produzia uma muda para si. Produzir mudas, também era uma das suas especialidades. Quando via uma plantinha, ou admirava uma florzinha que não possuía, já pedia licença para a retirada de um galinho e, dali a poucos dias, um novo jarro ocupava o seu espaço no seu jardim. Mãos de fada? Talvez mãos cuidadosas, experientes e dedicadas.

A rega daquelas plantas era um espetáculo diário que culminava com o levantar de cheiros de flores, de terra molhada, em um esvoaçar de abelhas, e insetos vários, que minha mãe adora fazer, em geral à tardinha, para que suas queridas amigas pudessem passar a noite imunes à sede provocada pelo nosso verão puxado. Curioso, certa vez perguntei se sabia de onde vinham aquela variedade de plantas, e recebi uma negativa resposta. Ninguém por ali sabia. Parti para a pesquisa e vi que algumas, como a Papoula, já era cultivada pelos sumérios há mais de 5.000 anos. E que, a maioria, tinha origem em outros países. Como a Rosa Dália, provinda do México, cultivada pelos índios desde épocas imemoriais. Muitas foram trazidas pelos colonizadores portugueses, obtidas em suas andanças pelo mundo na época dos descobrimentos. Da Ásia, da África, das Américas, do norte, central e do sul, de tantos lugares distantes, mas que encontraram solo propício e mãos talentosas no sertão mais profundo do Maranhão e em outras partes deste imenso Brasil.


Um tanto debilitada nesses seus quase noventa anos de vida, minha mãe teve que abandonar as suas plantas aos cuidados de uma nora, uma vez que a sua casa se acha fechada e ela está vivendo com os filhos nesse período. Mas sempre que algum deles ou uma de suas noras ligam de P. Dutra para falar com ela, pergunta, em primeiro lugar, como está o seu jardim, se tem sido aguado direitinho, essas coisas.

Aposentado, tentei cultivar algumas roseiras. Não é coisa fácil de fazer, mesmo para mim que tenho como profissão o amanho da terra e o cultivo de plantas. Não obtive resultados muito favoráveis. Realmente, isso é coisa para gente mais dedicada e experiente.

  

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Interventor É Nomeado Para Presidir as Primeiras Eleições no Curador

Interventor do Curador, Antenor Dias de Carvalho


José Pedro Araújo

A história do meu Curador está intimamente ligada a mim, à minha vida, mesmo estando distante do local onde abri os olhos pela primeira vez para a luz da vida, por isso vivo imerso em suas lembranças. Por isso também, resgato tantos fatos lá acontecidos e, depois, os publico aqui nesse espaço. Agora mesmo, passando em revista um trabalho ficcional que pretendo publicar proximamente, veio-me à mente uma parte importante da sua história, aquela que diz respeito às primeiras eleições ocorridas após a sua emancipação política.

Não tenho em mãos registros sobre o que digo nesse parágrafo, mas acredito, pelo tanto que as paixões elevaram a temperatura política no novo município, que as disputas pelo poder no velho Curador antecedem em muito ao período da sua transformação em município. Os primeiros registros existentes nos dão conta do poderio de uma única família, os Gomes de Gouvêia, e até mesmos dos Leda, ligados a esses últimos, mas não há qualquer ocorrência sobre disputas travadas por opositores políticos na época da Vila do Curador. Registros de 1921 já apontavam o coronel Sebastião Gomes como subdelegado do distrito, no governo Urbano Santos. Entretanto, todas as pendengas políticas registradas tiveram início após a criação do novo município em 1943. É bem verdade que havia uma grande alternância na nomeação do subdelegado de polícia nomeado para a vila, ocasião em que o Coronel Sebastião Gomes era substituído no cargo pelo senhor Virgolino Cirilo de Sousa, para, pouco tempo depois, retornar para aquele mesmo posto. Isso talvez ateste que já havia um princípio de embate entre dois grupos pela hegemonia política local, mas não existem anotações, nem mesmo registros na imprensa da capital falando explicitamente sobre isso, e muito menos na memória oral dos velhos habitantes. Pelo menos nunca conseguiu levantar isso na sua inteireza.

Por outro lado, o Curador já era assunto que, vez por outra, ocupava a capa de um jornal na capital, mas por outras razões: a política estadual. Por volta de 1921, por exemplo, quando o caso Manoel Bernardino de Oliveira ganhou as manchetes dos jornais da capital – posicionando-se uns contra, e outros a favor -, o velho Curador já aparecia como um lugar violento, em que tudo era resolvido sob a égide dos trabucos e das balas. Nesse período, o longevo coronel Sebastião Gomes já ditava as regras como já tive a oportunidade de aqui mesmo neste espaço relatar. Era o coronel contra os “revoltosos”, como se dizia na época. Mas, o que estava em jogo era uma luta surda e violenta pelo poderio político do Estado do Maranhão. E o Curador se achava no centro dos episódios mais violentos, uma vez que a base política de Bernardino, representante dos oposicionistas da capital no alto sertão, era o vizinho povoado da Mata do Nascimento.

Portanto, embate político mesmo, com duas alas em constante disputa pelo poderio local, ocorreu quando houve a decretação da maioridade política do Curador, através do Decreto-Lei 820, de 30 de dezembro de 1943. Como era praxe, nomeava-se um interventor para dirigir os destinos do novo município, que normalmente vinha a ser uma autoridade estadual lotada na região e, via de regra, um coletor, figura onipresente em todas as povoações maiores. E isso se dava até a nomeação de um político, ou indicado político de algum grupo hegemônico com maior poder na capital.

Assim aconteceu no Curador. O primeiro interventor nomeado para dirigir os destinos do novo município foi o coletor de tributos estaduais, José Lúcio Bandeira de Melo. Com larga experiência administrativa adquirida ao tempo em que dirigira os destinos políticos de Itapecuru Mirim, como prefeito, município que administrou no quadriênio 1926 a 1930, achava-se ele no local certo, e no momento certo, escrevendo o seu nome na história de Presidente Dutra. José Lúcio, que deveria permanecer pouco tempo no cargo, demoraria nove longos meses na função. Muito tempo, se cogitarmos que fora nomeado apenas temporariamente para o cargo. Mas as disputas pela indicação do novo interventor devem ter sido travadas com todos os requintes de uma campanha eleitoral, pois o nome do escolhido demorou mais tempo do que o programado. Todos queriam um administrador à frente do novo município, lutando pela eleição do seu candidato. Mas, afinal, venceu o grupo encabeçado pela família Leda em conjunto com os Gomes de Gouvêia. 

O escolhido para ocupar a função foi o Major Valdemir Bezerra Falcão, já em avançada idade, mas com experiência administrativa, por já ter sido presidente do Conselho de Intendência do município sede, Barra do Corda. As disputas continuaram na capital, de modo que, poucos meses depois, era nomeado Nelson Sereno para o lugar de Valdemir Falcão. Havia se passado apenas cinco meses da sua nomeação. Ganhava a disputa o grupo de Virgolino Cirilo de Sousa. Mas a vitória seria efêmera. Pouco mais de dois meses depois voltava o Major Valdemir Falcão ao cargo de interventor. Aqueles que acham que acabou ali a disputa ferrenha pelo poder de mando no Curador, aguardem um pouco mais. O grupo ao qual Nelson Sereno pertencia, não satisfeito com a sua saída da interventoria, voltou à carga e conseguiu que ele voltasse ao poder, pouco tempo depois, numa reviravolta que somente atestava o embate político que era travado.

Mas as disputas não ficavam somente na substituição de um dirigente por outro, gerava violência, desassossego, extrapolava as raias da política partidária, do embate limpo e direto pelo voto. Essa parte, talvez um dia eu escreva sobre ela.

Nelson Sereno voltou ao cargo, mas a insegurança para as eleições que se avizinhavam permaneceu a mesma, forçando o Interventor Saturnino Belo a reunir, em São Luís, os representantes da situação e da oposição para um conversa reservada no Palácio dos Leões, cujo objetivo era encontrar uma saída para o problema enfrentado pelo município. Foram à capital, além do interventor municipal, Nelson Sereno, e provavelmente outras lideranças do seu grupo, seus adversários pelo PSD, Honorato Gomes e João Paulo da Silva. A reunião, segundo a imprensa da época, deu-se em clima de paz e concórdia. E dela resultou o impensável. Demonstrando grande altruísmo e preocupação com os rumos tomados pela campanha travada para prefeito municipal, Nelson Sereno apresentou ao interventor o seu pedido de renúncia ao cargo, em 03/12/1946, permitindo que este nomeasse para o posto alguém da sua estrita confiança.

E assim se fez. A escolha recaiu sobre o Tenente Coronel Antenor Dias de Carvalho, uma figura de destaque na segurança estadual que, por aquele tempo, ocupava no governo o cargo de Delegado da Ordem Política e Social, equivalente ao de secretário de segurança.

Antes deste desfecho, já com vistas ao apaziguamento e ao controle do pesado clima de insegurança reinante, havia sido nomeado para o cargo de Delegado de Polícia do Curador, o 2º Tenente Aristeu do Rêgo Maranhão, em decreto publicado no dia 12/09/1946, portanto, poucos dias antes da nomeação de Antenor Carvalho. O interventor Carvalho chegou ao município assessorado por uma força militar condizente com o tamanho do problema, e dirigiu as eleições marcadas para o dia 19/01/1947 com todo o cuidado, pois se achava munido de uma representação que equivalia a uma carta branca emitida pelo próprio interventor maranhense. Conduziu bem o processo, fez-se respeitar, implantou a tranquilidade necessária ao desenvolvimento do pleito, mas demorou-se pouco no cargo, pouco mais de um mês, apenas o tempo necessário para a realização do pleito, logo voltando para São Luís. A sua saída, como já vimos em crônica anterior, trouxe de volta a insegurança e a intranquilidade política.

Abertas as urnas e procedida a contagem dos votos, logo o velho problema voltaria a agitar o pequeno município. O resultado do pleito foi contestado, e o candidato declarado vencedor não conseguiu ser efetivado no exercício do primeiro mandato administrativo no velho e problemático Curador. A história desse pleito ainda precisa ser esclarecida em sua totalidade. Partidários dos dois candidatos concorrentes, Virgolino Cirilo de Sousa, declarado eleito pelo juiz que conduzia o pleito, e Ariston Arruda Leda, seu opositor, apresentam histórias diferentes para o mesmo caso. O Juiz Porciúncula de Morais, que presidiu ao pleito, declarou vencedor o coronel Virgolino Cirilo de Sousa. Já o TRE-MA, após contestação, conferiu a vitória a Ariston Leda. Aos historiadores só resta aprofundar as pesquisas e estudar o caso em sua profundidade.

As altercações políticas continuaram no Curador após a volta do Interventor militar para São Luís, mostrando que os problemas, na sua integralidade, nunca foram efetivamente resolvidos. Mais que isto, durou até poucos anos atrás, mas, finalmente, é página virada. Digo mais. As querelas políticas atuais, apesar de renhidas e muito disputadas, ficam no campo da troca de ofensas e do próprio embate de ideias, nunca mais foram travadas ao sabor da violência explícita. Menos mal. Em uma democracia as armas utilizadas são os discursos convincentes, as propostas bem elaboradas e a credibilidade dos oponentes.  O resto é selvageria, atraso.